Júlio Pomar

2018-05-23

Júlio Pomar nasceu em 1926 em Lisboa, deixando-nos no dia 22 de maio de 2018. 

A Estação ferroviária de Corroios, na Linha do Sul, expõe um painel de azulejos de sua autoria.

"Quando nos aproximamos da Estação de Corroios e vemos nas imediações uma praça com parking, paragem de autocarros e outros apetrechos que apoiam e estabelecem conexões com a estação de comboios, apercebemo-nos dos graffiti que vão acumulativamente ocupando esse espaço, tornando-o um espaço vivido. São marcas de uma presença urbana, marcas da apropriação de um lugar a que alguém chama seu. Também essa ideia parece percorrer a pintura sobre azulejo de Júlio Pomar, que numa procura de empatia com o lugar recorre ao imaginário do graffiti, tal como pôde encontrá-lo nas imediações da estação. O topónimo do lugar, “Corroios", ocupa o espaço central do painel. São letras grandes, arredondadas, possíveis de produzir a partir de gestos largos, cuja expressividade surge da utilização de rebordos que reforçam a expressividade das letras, criando algumas vezes a ilusão de uma tridimensionalidade com problemas de perspectiva. Esse gesto largo e muito imediato, tal como também é desenvolvido pelos desenhadores de graffiti, é uma das características do traço do artista, que encontra aí similaridades com o risco produzido nos graffiti. A partir desse traço, da imagem de caos que uma parede cheia de graffiti pode suscitar, também o artista, conduzido por um conto popular, estabelece uma série de personagens e palavras ou textos e cores que se sobrepõem, ocupando todos os espaços, criando a mesma impressão de agitação que o muro exterior. Apesar de os elementos centrais do conto poderem ser reconhecidos e de haver uma narrativa primordial que agarra as personagens e as coloca em comunicação, eles não estabelecem qualquer tentativa de narrativa fácil dado que outros elementos surgem lateralmente ao conto, entre eles alguns híbridos que criam um certo distanciamento em relação ao elemento condutor. Nesse sentido, essa história, tal como outras de que nos dá conta o artista durante a entrevista, é esse o precioso ponto de imprecisão que estabelece a margem da liberdade que o espaço da criação impõem." 

Francisco Vaz Fernandes, “SEM MARGENS – Intervenções Plásticas nas Estações da Travessia Ferroviária Norte-Sul”, janeiro/fevereiro de 2001

 

 

Sobre Júlio Pomar

Estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio e passou pelas Escolas de Belas Artes de Lisboa e Porto, sem ter frequentado aulas de pintura. Esteve preso, teve obras destruídas e apreendidas. Casou, descasou, voltou a casar e tem filhos, netas e bisnetas.

Fez desenho, gravura, escultura, ilustração, tapeçaria e azulejo, dedicando-se hoje sobretudo à pintura e à escrita. Em 1963, mudou-se para Paris. Vinte anos depois voltou a ter atelier em Lisboa, trabalhando desde então nas duas cidades. Expôs individualmente em museus e galerias da Lisboa, Porto, Paris, Bruxelas, São Paulo, Rio de Janeiro, Nova Iorque, Macau, Pequim e Istambul.

Das obras realizadas para edifícios públicos, além dos frescos no Cinema Batalha (Porto, 1946) e dos azulejos do Gran’Circo Lar (Brasília, 1987), ambos destruídos, constam as estações de Alto dos Moinhos, Metropolitano de Lisboa (1983-84) e de Corroios, Refer com produção Ratton Cerâmicas (1998) e a sala de audiência do Tribunal da Moita (Arquitecto Raul Hestnes Ferreira, produção Ratton Cerâmicas, 1993) e em Brasília, o painel de azulejos da Praça da Língua Portuguesa, retomando a temática do Gran’Circo Lar (2010) em 2012 dois bancos revestidos a azulejo no pátio exterior do Atelier-Museu em Lisboa. Em 2013 painel de azulejo para a entrada do Museu da Cerveja, Terreiro do Paço em Lisboa.

Além da vasta obra de pintura, desenho, escultura, “assemblage”, cerâmica, gravura, etc. Júlio Pomar escreveu: Catch, Théme et Variations; Discours sur la Cécité du Peintre ; - Et la Peinture ?(Editions de la Différence, Paris, 1984 e 1985, 2000), os dois últimos traduzidos por Pedro Tamen com os títulos Da Cegueira dos Pintores (Imprensa Nacional, 1986) e Então e a Pintura? (Dom Quixote, Lisboa, 2003); e duas colectâneas de poesias, Alguns Eventos e TRATAdoDITOeEFEITO (Dom Quixote, 1992 e 2003).

Sobre Júlio Pomar escreveram, entre outros, Mário Soares, José Cardoso Pires, Fernando Gil, António Lobo Antunes, Vasco Graça Moura, Eduardo Lourenço, Mário Cláudio, Nuno Júdice, Antonio Tabucchi, Roger Munier, Patrick Waldberg, Marcel Paquet, Michel Waldberg, Claude Michel Cluny, Marcelin Pleynet, Pierre Cabane.

Está em curso a publicação do catálogo “raisonné” da sua obra, dirigido por Alexandre Pomar e com a participação de Michel Waldberg, Raquel Henriques da Silva, Marcelin Pleynet, de que saíram o Volume I (Editions de la Différence, Paris, e Arte Mágica Lisboa, 2004) e o Volume II (Editions de la Différence, Paris, 2001).

Em 2004 foi criada a Fundação Júlio Pomar. A Galeria Municipal de Matosinhos apresentou o acervo inicial da Fundação de Dezembro 2007 a Janeiro 2008 numa mostra intitulada Primeira escolha / First choice.

O Arquitecto Siza Vieira projectou o Atelier-Museu Júlio Pomar, por iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, a inaugurar em 2013.

A 12 de maio de 2014 recebe o Prémio SOS Azulejo - Personalidade 2013.

Júlio Pomar e a Arte Pública

1994: Intervenção artística em azulejo - Palácio da Justiça da Moita. Projecto de Arquitectura do Arq. Hestnes Ferreira.

1999: Intervenção artística em azulejo - Estação ferroviária de Corroios (ex REFER) no Seixal. Projecto de Arquitectura do Arq. João Mota Guedes.

2002: Painel de azulejo na Estação de Serviço de Torres Vedras.

2010/2012: Intervenção artística em dois bancos exteriores do Atelier-Museu Júlio Pomar, Lisboa. Projecto de Arquitectura do Arq. Siza Vieira.