'As Estações da Vida', de Agustina Bessa Luís
2019-06-04
Isabel Rio Novo, autora da biografia não-autorizada da escritora, recordou “uma mulher extraordinária e autora de uma obra ímpar, universal e intemporal”.
Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa nasceu em Vila Meã, Amarante, a 15 de outubro de 1922, e publicou o primeiro romance em 1948, intitulado Mundo Fechado. É autora de uma vasta obra, mais de meia centena de livros, entre romances, peças de teatro, contos infantis e ensaios biográficos. Destaque para obras como A Sibila, Fanny Owen, Vale Abraão, As Terras do Risco, Os Meninos de Ouro, O Princípio da Incerteza – Joia de Família, Os Super-Homens, As Fúrias, A Mãe de um Rio…, algumas das quais adaptadas ao cinema pelo seu amigo e realizador Manoel de Oliveira.
Agustina foi em 1986 / 87 diretora do jornal “O Primeiro de Janeiro” e, entre 1990 e 1993, diretora do Teatro Nacional de D. Maria II. Entre os inúmeros prémios e galardões com que foi distinguida contam-se a Ordem de Sant'Iago da Espada, a Medalha de Honra da Cidade do Porto, o grau de Officier de l'Ordre des Arts et des Lettres, pelo governo francês, o Grande Prémio de Romance e Novela (duas vezes) da Associação Portuguesa de Escritores, o prémio Vergílio Ferreira e o Prémio Camões.
Neta de um ferroviário e nascida em Vila Meã, terra atravessada pelos comboios da Linha do Douro, Agustina tinha um fascínio pelo caminho-de-ferro, pelo comboio, pelas estações e gares, e pela sua decoração pictórica.
“O comboio, chegado a São Bento, parecia deixar os pulmões na linha; um fumo branco como espuma inundava o cais; das portinholas saía de roldão uma gente apressada e que, de repente, rompia os laços de viajante e mergulhava na cidade com as suas malas e os embrulhos, pronta a começar o dia urbano, a apanhar táxi, a reconhecer a família que lhe estende os braços.” (Agustina Bessa Luís, As Estações da Vida, edição Relógio D’ Água, 2002).
No prefácio desta obra, afirma António Barreto: “Este livro é sobre os azulejos que decoram um grande número de estações de caminho-de-ferro. Ou antes, sobre as estações de caminho-de-ferro. Melhor ainda, sobre as estações de caminho-de-ferro da vida da Agustina. Mas o que finalmente temos é uma longa, lenta, amorosa e perspicaz divagação sobre as vidas que se cruzavam com ela nas estações de caminho-de-ferro e nos comboios, designadamente na linha do Douro, a que vai ou, antes, ia de São Bento e de Campanhã, no Porto, até Barca d’Alva, antes de entrar por Espanha adentro.”
E mais à frente: “Mas, na verdade, Agustina não se perdeu de amores pelos azulejos, de que nunca diz mal, com certeza, mas o interesse dela vai directamente para as pessoas ali retratadas, trabalhadores e moçoilas, pescadores e ceifeiras. E mesmo essas imagens não são mais do que motivo para falar das pessoas reais, de quem ela sempre se ocupou com pormenor e finura. Das pessoas que povoavam as carruagens dos comboios que ela frequentava, mas que eram o transporte de todos.”
Escreve Agustina: “O comboio esteve sempre na minha gente do Douro como um destino, um modo de vida e um pretexto de aventura.” Descreve com detalhe os passageiros, agrupando-os e compartimentando-os “nas três classes que percorrem o comboio”. Serve-se da arte, da azulejaria que abrilhanta as estações, para evocar a alma de um povo: “Os azulejos contam toda uma poesia que não é épica, é o viver de todos os dias, é um sermão sem sotaina, é um contrato social sem filosofia.”
Por fim: “(…) as gares são pontos de apoio para a História. Acontecem coisas nas gares que não acontecem na avenida e na rua aberta. Por isso Pombal fez a Lisboa pombalina, para evitar as emboscadas e para não dar ocasião aos motins. Como fez Napoleão em Paris. Mas gares foram depois o que substituiu o beco e a encruzilhada. Mataram Sidónio na gare e, se houvesse uma gare em Roma, César morreria ao tomar o trem para as termas, em vez de ir cair no Senado, comprometendo todos os senadores.”